quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A graça e a lógica de certos enganos da fala

O compenetrado pintor de paredes olhou as grandes manchas que se expandiam por todo o teto do banheiro do nosso apartamento, as mais antigas já negras, umas amarronzadas, outras esverdeadas, pediu uma escada, subiu, desceu, subiu, apalpou em vários pontos e deu seu diagnóstico:
- Não adianta pintar. aqui tem muita "humildade".
Levei alguns segundos para compreender que ele queria dizer "umidade". E conegui não rir. Durante a conversa, a expressão surgiu outras vezes, não escapara em falha momentânea.
Há palavras que são armadilhas para os ouvidos, mesmo de pessoas menos humildes. São captadas de um forma, instalam-se no cérebro com seu aparato de sons e sentidos - sons parecidos e sentidos inadequados - e saltam frescas e absurdas no meio de uma conversa. São enganos do ouvido, mais do que da fal Como o tropeção de uma pessoa de boas pernas não é um erro do caminhar, mas do ver.
Resultam muitas vezes formas hilárias. O zelador do nosso prédio deu esta explicação por não estar o elevador automatico parando em determinados andares:
-O computador entrou em "pânico".
Não sei se ele conhece a palavra "pane". Deve ter sido daquela forma que ouviu e gravou. Sabemos que é "pane", ele assimilou "pânico" - a coisa que nomeamos é a mesma, a comunicação foi feita. Tropeço também é linguagem.
O cheque bancario é frequentemente vitima de um tropicão desses; Muita gente diz, no final de uma historia de esperteza ou de desacordo comercial, que mandou "assustar" um cheque. Pois outro dia encontrei alguem que mandou "desbronquear" o cheque. Linguagens...Imagino a viagem que a palavra "desbloquear" fez na cabeça da pessoa.
Já ouvi de um mecanico que o motor do carro estava "rastreando", em vez de "rateando". Talvez a palavra correta lhe lemvrasse rato e a descartara como improvavel.
Estudantes candidatos a universidade tambem tropeçam nos ouvidos. E não apenas falam, mas registram seu equívocos. Nas provas de avaliação do ensino medio aparecem coisa como "a gravidez do problema", "micro-leão-dourado" e, ests é ótima, "raios ultraviolentos". 
Crianças cometem as coisas tais, para a delicia dos pais. O prcesso é o mesmo: ouvir, reelabora, inserir em uma lógica propria e falar. Minha filha pequena dizia "agua solitaria" em vez de "agua sanitaria". A sobrinha de uma amiga, que estranhava a irritação da tia habitualmente encantadora, ouviu desta uma explicação que era quase uma desculpa e depois a repassou para a irmã menorzinha:
- A tia Pat está "misturada"
Revista Veja   

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